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quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

22 de outubro de um ano qualquer de 2007

 

 

Minha cara amiga ;

 

A esta altura do jogo estarei em uma situação de xeque-mate, e tudo o que imaginei já estará sendo consumado; afinal você ainda consegue ser previsível aos meus olhos. Nem imagino porque!

 

Quem lhe escreve agora é um homem simples, de palavras simples que não tem receio de sentir as conseqüências dos seus atos e que acredita que a verdadeira felicidade está nas coisas que construímos por realmente gostamos gostar.

 

Da mesma forma que tantas outras, mediante palavras verossímeis e objetivas, lhe exponho nada mais que a verdade. Somente a verdade, não no sentido que fazer você reconsiderar nosso caso a fim de voltar atrás. Jamais tive o dom da retórica e da persuasão e não será agora.

 

Não podia ter sentido, e infelizmente é natural, eu te pedir desculpas. Conquanto por vezes descubramos os desígnios do nosso coração, ainda não se constitui crime e nem pecado gostar de alguém e com esta compartilhar de tais sentimentos e expressões de afeto e carinho.

 

Conforme bem sabido por vós – se não está agora por saber – até a data desta escrita alimentei algum tipo de sentimento metafísico que, por nunca tê-lo antes sentido, designa-lo-ei por Amor.

 

Quanto a você. Você jamais se apresentou a mim como uma mulher perfeita, muito menos “Com cabelos longos e idéias curtas”, e sim um prodígio de mulher, bastante atraente e por isso muito desejosa, com argumentos espontâneos a favor de sua legitimidade.

 

Doravante, a fim de torná-la o menos desejosa possível a ponto dos meus olhos não mais a anelarem, subjuguei-a enxergando características constituintes em sua personalidade que ao meu raciocínio lógico  pesaria desfavoravelmente. E não precisou de muita ciência ou psicologia para encontrá-los e considerá-los como poentos negativos e efêmeros.

 

A saber, dentre os quais, destaco que você é absurdamente arrogante, demasiadamente antipática, monarquistamente possessiva e descontrolada, exaustivamente precipitada...As outras ínfimas talvez um dia lerás em um de meus poemas.

 

Quanto a mim, em uma introspecção, apenas confirmei o que há muito tinha certeza, e que de tempos em tempos volto a confirmar na metamorfose da vida que a única virtude que me aprecia o coração é a de que reconheço que possuo todas as qualidades negativas possíveis. Esta é minha virtude.

 

Com relação as suas graves falhas de personalidade, aos quais estudei por longos períodos buscando o porque e o como agir mediante elas, este descobrimento aos pouco – não lhe cabe saber o como e nem o porquê – sucedeu uma ausência incomum que agora facilmente e sem o mesmo procedimento usado anteriormente, identifico claramente.

Seja qual for o sentimento que um homem tenha a possibilidade de controlar através de algumas palavras, e o tente fazer, está-se perante um sinal natural de que ele quer que esse sentimento seja aplicado.

 

Surpreendentemente e mais uma vez não nos coube saber, mas o efeito reverso das minhas palavras insensatas nos uniu de modo natural e por sinal muito irônico.

 

De fato, gostar de você foi um fato muito gostoso, embora não pretendesse corresponder a minha autoconfiança ou seus ensaios infantis de sedução.

 

 Uma das poucas coisas relevantes que distinguem nossa espécie é o fato de Eu – como se somente eu fosse o insensato infantil que atua neste palco – reconhecer o pragmatismo positivo da situação e assim remar na busca contínua de uma instrospecção.

 

Você não! Posso lhe comparar fielmente (me desculpe à disparidade de minha sinceridade) a um asno teimoso que mesmo sendo chibateado diversas vezes por sua desobediência e mesmo isso lhe causando mal finge em não sentir suas dores e nada acontecer e por isso persiste na gelidão dos seus sentimentos, mentindo e ludibriando a si mesmo. Que coisa feia, essa é a maior das mentiras.

 

Usando sentenças mais populares, você não quis reconhecer de modo racional a necessidade que, assim como a minha, psíquica de estar comigo; você não quis dar-se a chance de reconhecer que queria gostar de mim, assim como eu de você.

 

Mas de fatos e não de palavras ou pensamentos tecemos nossos atos. Mesmo tendo o enorme cuidado de não ser inconveniente fiz o que, o que acreditei durante cerca dos sete anos que me nutri de você, fiz o que racionalmente se apresentou como o correto a ser feito. E se o tempo, por acaso fosse retrógrado, faria não muito diferente. Embora pudesse ter outras opções seu olhar agora me garante que nenhuma delas me traria você.

 

Entretanto, o fato existente em nossas “ironias” vidas é o que está representado agora neste ambiente estranho que nos envolve e que está convulsionando aí dentro da sua mente em processos mentais encobertos. Estudei isto em psicologia.

 

É curioso, os bons sentimentos que levamos anos para construir morrem cedo, mesmo assim continuo te surpreendendo e você sempre brava comigo por não saber qual será meu próximo ato.

 

A partir do momento que preenchi estas linhas (suponha que sejam linhas que sustentam estas frases) transformando meus pensamentos em palavras, pra ser mais exato em 22 de outubro de um ano qualquer do calendário lunar cristão, beirando aproximadamente às 3:13 da madrugada, enterro em lugar seguro e intocável o sentimento que me acompanhou por longos sete anos. Jamais passarei por sobre ele uma tinta preta ou queimarei em chamas amaldiçoadas. Afinal, foi muito bonito e por algum tempo me deu prazer e nem todos os homens terão a honra e o deleite de ao peito senti-lo.

 

Posso não estar bem certo, mas creio que você não irá facilmente esquecer de meus atos insensatos que jurei não os fazer, mas acabei fazendo por você. Você querendo ou não, e nestes assuntos nem sempre temos querer, eu já faço parte de sua vida, não muito diferente de você na minha.

 

Ainda guardarei a esperança de continuar sempre sendo seu amigo e inimigo. E que você seja sempre minha melhor amiga e ao mesmo tempo minha pior inimiga. É normal em nossas vidas. Já percebeu?

 

Não seja mais insensata e ridícula do que você já demonstrou ser até agora, e por bem ou por mal você vai ficar com este filme como recordação de um sentimento morto e enterrado de um velho amigo seu.

 

Eu te juro, pelo céu e pela terra, pela vida e pela morte, pela minha honra como homem que aquele sentimento morto e enterrado agora, jamais, nem em sua matéria impura irá atormentar nossa amizade.

 

Confesso, na indecência de minha conduta, entendida aqui por índole, isto é, como maneira a não ser seguida do homem que amou uma mulher, mas pela pobreza de espírito, pela amizade e porque o caminho seguido pelo competidor para realizar seu desejo consiste em subjugar, suplantar ou repelir o outro, desiste da conquista do amor e de seus ideais em uma mulher.

 

Mas o deleite sensual e o desejo de satisfazer um desejo pressupõem o homem para a obediência e depois faz tender para o amor fingido. Os benefícios obrigam ao mero fingimento, veja como estão nossas mães por causa de homens sinceros desviados pelo fingimento do desejo e o ódio às obrigações!

 

Provocar em alguém mal maior do que se pode ou se está disposto a sofrer faz tender para odiar quem sofreu o mal, pois só se pode esperar vingança ou perdão. Não existe perdão onde não há pecados. Embora te odeie, não consigo te odiar de coração.

 

Confesso estar feliz agora, pra ser honesto só um pouco infeliz, afinal de contas meu time do coração perdeu e foi desclassificado.

Entrementes, o fato da loucura é desculpa para quem quer se aventurar. A perda do meu time do coração é apenas um argumento infundado para tristeza, pois esta situação agora me causa uma tristeza estranha, não sei ao certo lhe descrever por palavras.

 

Confesso também estar sob o efeito de, se não estiver muito bêbado a ponto de perder as contas, duas garrafas de um bom vinho. Aliás, nestes últimos dias que precederam esta nossa peça teatral final, a ele foi quem confessei meus mais profanos sentimentos e segredos.

 

Prefiro escrever e buscar inspiração para esta carta sob as elucubrações do álcool, pois só assim pude expor de dentro do ego, até a última centelha tudo que agora te digo.

 

Este cara aí, com cara de circense com fome e que provavelmente está também elucubrado, se é que você me entende, e que está lhe provocando lendo esta cansativa carta não é o mesmo que a redigiu, mas pode ter certeza que ele também compartilhou com meus modestos sentimentos.

 

Agora sigamos nossas vidas, assim como também nossa velha amizade. Tentarei daqui por diante tentar dar mais valor aquilo que penso e acredito. Espero que você precise de minha ajuda e espero que eu não lhe negue ajuda. Espero que eu tenha a humildade de reconhecer que eu possa precisar de sua ajuda e espero que você possa não me virar às costas.

 

Não se preocupe comigo. Tenho muitos porres ainda de vinha para me iludir. Tenho ainda outras donzelas para servir-me de inspiração e por elas tomar mais vinho ainda. Afinal é isto o que um poeta faz.

 

Aceite meu presente, minimize seu orgulho besta e infantil. Isto dá câncer.

Obrigado por pensar em mim. Obrigado por sempre ser minha amiga.

 

 

 

 

Tinha muito mais para o momento, mas existem verdades que não podem ser ditas.

Por isso encerro por aqui minhas antigas e doces elucubrações, mas que jaz morta enterrada.

 

 

De um poeta qualquer.