Os fantasmas existem, estão em
nós, estão ao nosso redor, somos nós, estão logo ali em Veneza... Está nos meus
olhos que olham dentro de você e percebe a constância de sua presença em você,
não mais que em mim. Talvez por isso, esteja eu diferente, achando as coisas
tão estranhas ultimamente. Não que nada esteja no lugar errado! Não que nada
esteja no lugar certo! Louco me acusavam, mas ele estava lá, ele esta aqui, ele
estava ali. Mas, apenas a possibilidade de sua presença amaldiçoa meus passos,
minhas palavras, meus pensamentos. Sem esse fantasma, minha vida poderia ser quase
completa, seria poeta, continuaria não tendo um vintém, mas estaria em liras à
estrela dos meus cândidos amores. Mas, o fantasma nada mais é que minha
criação: alimentá-lo ou deixá-lo passar fome? Dependeu de mim! Tornou-se, de
julho a outubro, o monstro que ajudou a destruir-me. Criei-o, ao invés de tê-lo
matado. Mesmo distante, presente em espírito. Ausente, mais presente que eu. Vi
este sinais deste fantasma nas noites de inquietude, nas noites em que teu
silencio me atirava a um poço de pensamentos improváveis. Senti-o, pela primeira
vez na mensagem subliminar de uma borboleta em um relógio. A borboleta, sinal
da teoria do caos. Relógio sinônimo da
passagem das eras, das mudanças. Na conversa tola de outrem, na malicia ingênua
e na expectativa do príncipe encantado no cavalo branco... Não, este fantasma
nasceu da minha ausência, da falta que ficou na minha ausência. Nem sabia que
fantasmas existiam, não soube que era vulnerável a fantasmas. Este fantasma não
sabe ser amigo ou inimigo. Mas, me trás medo, me dá arrepios. Torna-me garoto,
mais imaturo que o sou. Torna-me a carne pútrida comida pelos abutres. Eu nunca
tive medo do escuro, mas sempre pedia a luz acessa. Agora, tenho medo do escuro
e mesmo com luzes acesas, durmo por baixo do cobertor. Ouço seus passos no
espaço virtual, vejo suas pegadas nas linhas telefônicas, vejo sua sombra nas
mensagens que circulam discretamente em sinais de SMS. Ele me faz perceber
minha insignificância e, aos poucos, torna-se o verme que primeiro roe as frias
carnes do meu cadáver, roubando minha alegria, meus sonhos e expectativas, meu
castelo e minha princesa... Como a noite que esconde as sombras das árvores,
nada acontece, exceto o meu medo do fantasma. Bem que o mundo poderia ser
alienado dos fantasmas. Como o mundo não tirara de mim este medo dorme com
minha mãe em camas iguais minh’alma, pra não ser padecer do coração ao lembrar
o fantasma. Mas, o fantasma, me tirou algo do qual jamais voltou. Eu o
entreguei algo do qual jamais consegui retomar. Então, tendo como justificativa
a existência do fantasma, me perco em meu próprio medo! Quantas vezes acordei
pensando desafia-lo no dia seguinte? Quantas vezes pensei em esquecer de sua existência
e viver um dia de cada vez? Quantas vezes tentei me convencer de que ele não existia?
Quantas vezes tentei me convencer de que ele existia? Quantas vezes pensei ouvi-lo
virtualmente? Quantas vezes pensei ver suas pegadas virtualmente? Quantas vezes
tive certeza de sua existência. Sua presença custa a minha ausência. Ele nasceu
na minha ausência, deixei-o crescer na minha presença! Não é justo. Ninguém
consegue ouvir-me, entender meus medos, anseios, duvidas e descrenças. Nem tu, estrela
dos meus cândidos amores, me ouves e me entendes. Nem tu me dás um vintém de razão.
Do contrário, acusam-me de loucura! Louco, vês fantasmas? És psicótico! Chamam-me
de imaturo. Criança, vês fantasma? Cresces e não mais o verá! Atiram-me a
frente do caminho uivos de lobisomem, vassouras de bruxas, pegadas de bicho
papão e orelhas de papa figo... Por cima, ainda me apagam as luzes e causam
ruídos estranhos... Tenho medo! Não estou fugindo por que quero, fujo por medo,
por reconhecer-me na figura de pequena significância perante meus medos,
perante um fantasma distante. Os deuses não me abençoaram com a coragem dos
bravos, não me deram o poder de encantar-te, de prender tua atenção mesmo
quando ausente. Como última tentativa de resgatar-te do fantasma, cândida estrela
dos meus amores, respira, chama-me, para que saibas que estás viva e aprecias
minha coragem idônea. Mexes ao menos um dedo, dás ao menos um suspiro, ao menos
um. Trocas à atenção de um semideus pelo amor de um mero mortal! A vida na
eternidade é enfadonha. Vem viver comigo o vulto da existência, vem? Triste ou
alegre serás amada. Chorando ou sorrindo serás amada. Quem te cuida sou eu, quem chora por ti, sou eu, quem sonha por ti sou eu, quem luta por ti sou eu... Não, ela dorme, dorme... Tem o espirito quebrantado, a alma cansada, o espirito contristado. Não
me escuta, não se escuta. Muitas vozes calam minha voz, muitas vozes a deixa inaudível.
Não se acha em mim coragem de aproximar-me para conferir-lhes vida. Ele é o
bicho e eu o mortal. Nascido fui da mera mulher mortal: estou aquém na existência
humana. O que me cabe senão, contra minha vontade e, a favor da conveniência dos
meus medos, diante de minha insignificância, recolher-me a minha mísera
condição e assassinar a estrela de meus cândidos amores? Mísero fantasma, que
habitas as extremidades da Veneza brasileira: a ti entrego meu corpo para
servir-te de riso, de álibi para com os amigos no píer enaltecer-te por ter-me tomado
à estrela dos meus cândidos amores. Dedico a ti, como vencedor, minhas lágrimas
de tristeza e solidão, o suor do medo que meu rosto exalou na febre a quarenta
graus, meu suspiro de cansaço ao correr para longe de ti e, meu sangue aspergido
no chão. A ti, que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico como
saudosa lembrança estas Memórias Póstumas.