Ergui o copo,
como quem pede perdão sem palavras.
Brindei ao gesto que não fiz,
à conversa que engoli a seco,
e ao abraço que deixei para depois —
com medo de sufocar.
No reflexo de uma garrafa verde,
vi um homem em silêncio.
Não por desamor.
Mas por cansaço.
Por medo de mais uma frase errada,
de mais um olhar decepcionado,
de mais um grito de cortar a alma.
Eu já tentei ser ponte,
mas virei abismo.
Já falei com alma inteira,
e recebi o urro dos desesperados.
Então, agora me escondo no não-dito,
pra não magoar.
Ela diz que
pareço distante.
Mas estou aqui.
Preso dentro de mim.
Medindo palavras antes de soltá-las,
pesando gestos antes de dá-los —
como quem segura cristais rachados,
mas, uma hora
deixa-os cair
Fumo o resto do orgulho.
A mão que afaga,
às vezes fere pensando proteger.
A palavra que conforta,
às vezes vira punhal de dois gumes.
Se ainda sonho,
me calo.
Se ainda amo,
não exalo,
quieto, contido, calado.
Mas se ainda tenho este gole,
este instante,
esta lembrança de quando as palavras fluíam — bebo.
Porque o último copo
do que se cala
é sempre o primeiro grito
que ele não teve coragem de soltar.
E o meu idílio?
Às vezes morre de sede,
dentro de uma mente cheia e inquieta.
Ergui o copo,
como quem ergue desculpas.
Brindei às flores que esqueci de comprar,
aos aniversários que passaram como ventos,
e a roupa de ontem —
que ela vestiu,
e eu… esqueci de elogiar.
No reflexo de uma garrafa verde,
vi meu rosto partido:
um homem que tenta,
que erra,
que vive em labirintos,
e tropeça na pressa da própria mente.
Eu quis ser o marido dos filmes:
pontual, seguro, previsível.
Mas sou o cara das cenas cortadas —
aquele que se perde no meio do caminho,
entre a intenção e o gesto.
Enquanto isso,
esqueço de pôr lembretes no celular
pra lembrar da hora que ela larga do trabalho,
que gosta do banheiro limpo,
que gosta de ser ouvida até o fim da frase.
Mas eu ouço o começo…
e já me perco no fim, antes do lembrete existir.
Bebo a ideia de que só o esforço me basta.
O gesto que dou, quase sempre, vem depois do momento certo.
O elogio, atrasado,
soa como desculpa.
Minha presença… quase sempre desfocada.
Se ainda sorri, é por meu Eu.
Se ainda sonha, é por meu outro eu.
E eu?
Eu ainda desatento, tento.
Intimamente sei que me iludo.
Mas se ainda tenho esse gole poético,
esse instante em que a chuva cai lá fora,
essa memória de quando ela dizia “você me completa” — bebo com gosto.
Porque meu último copo
sempre será uma lembrança não lembrada.
E, meus gestos, notificações silenciadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário